segunda-feira, 11 de maio de 2009

memórias da aldeia
























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Tenho saudades daqueles tempos de criança.

Eu era uma criança que vivia na cidade, no meio daquela confusão de vidas, naquela selva sufocante do salve-se quem puder. Tinha o costume de ir passar as férias da escola numa aldeia, da qual eram naturais os meus pais e onde ainda viviam os meus avós. Uma aldeia típica do Portugal profundo, onde o sossego é feito de pedra e casas pequenas, onde o ritmo alucinante da cidade é esquecido para dar lugar a uma serenidade possante e onde os segundos são perdidos por entre um bom dia à vizinha que se prolonga numa interminável conversa sobre as alfaces e os repolhos da horta.

Os gaiatos, como eu, corriam pelas ruas despreocupados ou jogavam futebol no adro da Igreja e às moçoilas bastava-lhe umas quantas pedrinhas, uns riscos na terra e entretinham-se horas e horas a jogar à macaca ou ao macaquinho do Chinês. Não havia televisão e nem se quer se viam automóveis. As noites eram passadas à lareira a trocar palavras, a ouvir os desgostos dos mais velhos ou as descobertas dos mais novos. Já pela manhã, mal nascia o sol e o galo cantava, toda a casa acordava pois o labor não podia esperar.

Gostava de ir com os meus avós até ao campo, logo de manhã cedo, aviar os pitos (como dizia a minha avó), correr atrás das ovelhas ou ordenhar as vacas. Mas onde eu me divertia mesmo, no Verão, era a subir às árvores. Ainda sinto o sabor daquelas cerejas, tão vermelhas como as minhas maças do rosto quando mentia à minha avó. Passava horas sentado lá em cima a imaginar-me um super herói de banda desenhada, que alcançava até os prédios mais altos da minha cidade. Cheguei a cair umas 4 ou 5 vezes, mas nenhuma queda me demovia daquele trono improvisado.

Outra coisa que nunca me vou esquecer destes tempos de criança, era um velho que habitualmente estava no largo sentado num banco de pedra, vendo o resto dos seus dias passar-lhe ao lado. Era frequente juntarem-se perto dele os miúdos (e eu claro nunca faltava) para o ouvir contar contos de piratas ou de guerras entre reinos longínquos. Sabia tantas histórias como as rugas que seu rosto carregava e contava-as sempre com o mesmo sorriso cansado. Recordo-me como se fosse hoje quando ele dizia: “Põe-te listo, rapaz!” ou, quando estava mais chateado, “Rapaz, levanta o nalseiro daí e vai mas é para a escola”.

Adorava mesmo aquela aldeia, a vida que se levava. Lá podia verdadeiramente ser criança com tudo a que tinha direito, dar asas a minha imaginação. Todo o pouco tempo que passei naquele lugar fez-me crescer enquanto pessoa e deu-me a conhecer outra realidade, que não aquela da cidade, onde estamos trancados de grande parte das pequenas coisas boas da vida. O cheiro a terra molhada, o canto do galo logo pela manhã, comer os frutos doces directamente da árvore, ouvir um bom dia em cada esquina, o pão quente acabado de sair do forno, o canto dos pássaros e muitas, muitas outras coisas.

Depois de tantos anos resolvi voltar. Está tudo tão diferente, tão mais calmo. Calmo demais, vazio. Sítios como aquele não podem acabar assim, ao abandono, desertos. Não podemos deixar morrer a vida das aldeias e dos campos. É uma forma de viver que faz falta, a vida em simbiose com a natureza, a harmonia. Tenho saudades daqueles tempos na aldeia.

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